O cinema é diversão, mas também é marketing, ideologia e lucro (Parte 1)


Eae você. Não faço ideia de quando foi meu último Comentando, mas cá estamos. Afinal, eu só surjo quando é pra soltar o Exodia em assuntos porradeiros e mais polêmicos que uma fila de mamilos. O que é 101% o caso de hoje, com uma participação especial da agonia no coração tiete.

Então sente aí, chegue perto do monitor (ou celular) e vamos conversar um pouco.

A origem da treta

Quando a torcida vai pra vilã, ou o roteiro foi sagaz, ou os protagonistas são ruins. E esse filme é tudo, menos sagaz

Na segunda-feira (2) veio a notícia que me deixou triste, feliz e sem saber o que dizer. Filme novo da Scarlett sempre é bom pra Pessoa que Vos Fala™. E a história é interessante: Uma mulher, chefe do mundo do crime, que comanda uma rede de casas de massagem e um mercado negro de esteroides. Teria potencial pra ser um John Wick da vida, certo?

É aí que a vida marca o gol aos 45 do acréscimo em Rug & Tug. Que já leva um 7x1 com esse nome pavoroso, e eu queria não saber inglês pra fingir que ele nunca existiu. Imagina isso em português.

Quem dirige é o Rupert Sanders, nosso primeiro nono da lista. Ele fez fama pelo envolvimento com a Kristen Stewart durante Branca de Neve e o Caçador.. E esse filme é uma aula de como jogar no lixo uma ideia tão boa. O Caçador e a Rainha de Gelo é ainda pior: tem elenco feminino ótimo, mas o roteiro é a morte de ruim. O filme arrecadou metade do que o primeiro fez.

Tá anotando? Tem mais: Ghost in the Shell. Protagonizado por quem? Dirigido por quem?

A polêmica do whitewashing foi complicada, mas eu vejo assim: Ponha uma atriz japonesa, e o filme pode ser mal recebido na China. E é sabido: ir mal na China, sem ser o Pantera Negra, não é muito legal. Ponha uma personagem chinesa e vira Memórias de Uma Gueixa, que causou uma confusão da peste

Japão e China tem histórico de relações ruim. Isso aqui é a ponta do iceberg. Daí se você põe uma atriz norte-americana conhecida do mundo nerd? É terreno neutro e ainda reforça o merchan. O nome da Scarlett é imediatamente associado a Marvel, e é difícil não gostar da Marvel. Principalmente na Ásia.

- Onde Ghost in the Shell teve a maior bilheteria? Na China, com U$ 29.3 milhões;
- Onde Ghost in the Shell teve a segunda maior bilheteria? No Japão, com U$ 9 milhões.

Se o filme pode ser criticado, é por ter sido raso. Entretanto, o americano tem cultura de fazer filmes onde pensar não seja muito o foco, e quando é pra pensar, é filme de baixo orçamento/cult. Então eu nem culpo tanto o Sanders. Tem hora que a vida pede um bom filme pipocão mesmo.

A evolução da treta

A Garota Dinamarquesa é um filme muito interessante. Um pouco frustrante, mas vale a pena assistir

Eu dormi pensando que o Sanders era o único problema desse projeto. Quem dera fosse. Hoje -terça, dia 3, quando comecei a rabiscar esse texto- eu soube de algo que me surpreendeu: A Jean Marie Gill, historicamente falando, pode ter sido uma mulher trans. O filme Tub & Tug tem 3 descrições diferentes rodando a internet, e uma delas aponta a transexualidade da personagem.

Isso vai dar uma treta com escala de primeira classe no inferno, pensei. Pode ser a mídia oportunista atacando de novo? Pode sim. Pode ser mancada do projeto? Pode sim. E pode anotar no dia que você ler o meu texto: O filme está morto. Em tempos politizados e de fácil acesso a informação, seguir com um projeto desses é coragem... Ou cara de pau. (Ou ambos)

Hollywood tem histórico de projetos sobre personagens trans, com atores cis. Dois exemplos: A série Transparent e o filme Garota Dinamarquesa. Esse meio que se salvou pelas atuações impecáveis da Alicia Vikander e do Eddie Redmayne, mas ainda foi criticado no roteiro. Então pouco importa a real história da Marie Gill. Não importa como o filme vai abordar ela. Se não acontecer um milagre de RP,  é game over aqui e agora.

Fora que isso aponta outro problema, e sistemático: O pessoal não sabe mais criar história original, só adaptar. Parece preguiça. Ain duvido você fazer melhor. Olha... Eu posso tentar. Vamos supor que:

Rub & Tug é sobre uma mulher, chefe do crime em tempos antigos. Década de 1950, digamos. Ela é braba, não atura desaforo e manda no mercado negro de esteroides. Motivo: o futebol americano dos anos 50 era limitado na TV, dependia do futebol de universidade (college football). E americano tem uma forte relação com as universidades.

Aí pode ter a rede de casa de massagens. Ela se veste de um jeito mais masculino, pois calça e paletó pra mulher hoje em dia é normal... Mas não em 1950. E ela pode, por que não, conhecer a mulher de outro criminoso. As duas se envolvem, e rola uma guerrinha estilo Helena de Troia. Só que a "Helena" não é enfeite, ela é boa de conversa e persuadir as pessoas. Aí as duas se unem não só pelo sentimento, mas pra derrubar o ex-marido e ficar com os negócios dele. Fim.

O problema de atrair juju ruim

Yep, isso aqui é o famigerado Aeon Flux

Nem todo mundo tem bala na agulha pra se recuperar de um filme ruim ou mal recebido. Depende de muita coisa, principalmente decisões. A Múmia (2017) deu um buzu ruim, mas terminou com + U$ 400 milhões de bilheteria global, não foi fracasso. Podia queimar o Tom Cruise? Podia. Aí ele saiu do meio nerd e veio Feito na América, que não ganhou bilhões, mas teve recepção muito melhor.

Charlize Theron não afundou após Aeon Flux, mas bem que poderia. Essa sim fez escolhas que dá pra debater. Tipo dois filmes com o Sanders, mesmo a Ravenna sendo espetacular. Mas ela também fez escolhas boas e chave. Você não lembra mais da Aeon Flux como algo que arranhou a carreira dela. Você lembra da Imperadora Furiosa, Cipher ou da Lorraine Broughton. A Aeon virou um meme, até.

Por mais high profile que o nome dela seja, há quem argumente se a Scarlett tem carreira o bastante pra aguentar uma porrada como essa que virá. Eu tenho a mesma dúvida. Filmes recentes -Rough Night e Ghost in the Shell- balançaram as condições. O que ela é realmente capaz de fazer além de Vingadores? Eu também quero saber.

Ignorar o mimimi de fã já é difícil. O Rian Johnson é caçado pelos de Star Wars há quase um ano depois de Os Últimos Jedi. Imagina ignorar o peso de questões políticas e sociais no cinema, com #MeToo e outros movimentos. Cinema é diversão, mas é ideologia. Hoje todo mundo tem alguma opinião sobre aborto, liberação de armas, drogas, homosexualidade, políticos, pena de morte...

(Uma coisa é mancada de produção, outra é mimimi da audiência, outra bem diferente é mancada ideológica, de marketing)

... Quem produz entretenimento tem que ficar numa atenção enorme com isso. Liberdade criativa tem limites, ironicamente. Tudo depende de escolhas. São tempos onde as notícias correm rápido, mesmo se forem mentiras. Atrair juju ruim é um baita problema, mais ainda é ficar com ele por perto. E no mundo onde as marcas querem se humanizar, serem pró causa X/Y/Z, uma escolha ruim te separa da glória ou do inferno.

Atualizado: 12/07

Não precisa mais esperar! Saiu a parte 2 do texto, e embora eu só tenha lembrado de linkar ela por aqui agora, segue essa leitura totalmente excelente. Confia que deu bom.

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