Entrevista: Andre Matos

(Entrevista publicada originalmente no HMBR em 13/12/2013)


Hoje a gente conversa com um dos músicos mais respeitados e queridos, que também é um dos prediletos do site. Nascido no Estado de São Paulo, Andre Coelho Matos celebra em 2013 vinte anos do lançamento do disco Angels Cry, marco de uma carreira cercada de histórias, sucessos, e um trabalho inquestionável que o mantém como o "maestro" do heavy metal brasileiro.


Bruna: Andre, esse ano você fez parte pela 1ª vez do cast do Rock In Rio, uma ironia positiva considerando que o festival voltou para o Brasil. Como foi fazer essa estreia ao lado do passado e do presente [o Viper e a banda solo] da sua história?

Andre: Um sonho realizado. Estive no primeiro Rock in Rio em 85, e na época contava com apenas 13 anos de idade - mas já era fanático por Maiden, Ozzy, Queen, AC/DC... Pude ver 'apenas' o dia de abertura. Esse dia mudou minha vida e todas as minhas perspectivas musicais. Foi ali que decidi ser o que sou hoje.

A curiosidade fica justamente por conta de que, na semana anterior, eu havia sido recém-convidado para me juntar ao Viper. E, 28 anos passados, voltar ao festival desta vez em cima do palco para me apresentar com minha própria banda e ainda ter como convidado especial ninguém menos que o Viper, foi, digamos, algo bastante emblemático.


Bruna: Rock In Rio 2015 com Andre Matos no Palco Mundo: a gente pode sonhar?

Andre: Na verdade não sonho em estar no palco Mundo: gostaria apenas de estar novamente participando do Festival. Devido à repercussão do nosso show nas redes e principalmente ali, ao vivo - acredito que haja uma boa chance disso acontecer.

Fomos muito bem tratados pela produção do palco Sunset, e tocaríamos tranquilamente no mesmo mais uma vez. A única coisa que gostaria é de ter um pouco mais de tempo de show e que o público todo consiga entrar a tempo de ver o início: o que solicitaremos à organização, caso sejamos novamente convidados.


Bruna: Todo gênero musical passa por mudanças, e com a música pesada não tem sido diferente. Para você, que diferenças existem entre ser um artista de heavy metal agora, e ser um artista de heavy metal há 20 anos?

Andre: Há 20 anos vivia-se uma fase de um certo glamour. Os artistas tinham a aura mais "intocável". (lembro-me das primeiras vezes no Japão, onde a gravadora nos obrigava a andar em limusines, para impressionar os fãs. Hoje isto já não acontece mais.)

É fato que no metal ainda rola um pouco essa coisa da idolatria, mas está diferente, mais saudável: tudo é mais próximo e real. Isso se deve a dois fatores básicos: o declínio da indústria fonográfica (que costumava "fabricar" estes ícones) e a ascensão das redes sociais. Há 20 anos, uma banda podia dar-se ao luxo de escolher se sairia em turnê ou não. Hoje, não há essa escolha - e isto atingiu desde os pequenos até os gigantes.

É um fenômeno interessante de se observar, e veremos qual o desfecho; acredito que estejamos vivendo uma fase de transição. Se por um lado, há que se trabalhar mais duro para manter aquilo que foi conquistado ao longo da carreira, por outro, aparentemente tornou-se mais fácil lançar um artista novo no mercado, ao eliminar-se o papel do "intermediário".

O que pode vir a ser uma faca de dois gumes: a exposição e a oferta são tantas, que o público fica um pouco confuso ao escolher tudo parece saído de uma mesma forma plastificada e, muitas vezes, acaba-se optando por aquilo que é mais tradicional e seguro; mesmo que repetitivo. 


Bruna: Sua voz é conhecida e admirada pelos agudos que é capaz de alcançar. A gente sabe que com o passar do tempo, os vocalistas são os que mais sofrem para manter o estilo, e exemplos recentes disso não faltam. Como você encara esse desafio?

Andre: Me baseio no exemplo dos grandes cantores de ópera: Pavarotti, Carreras, Domingo. Todos eles alcançaram sua "maturidade vocal" por volta dos 50 anos de idade. Ronnie James Dio também provou isso, assim como Bruce Dickinson.

Não há dúvida de que a voz adquire outras qualidades com o passar do tempo. Ela deixa de ser juvenil e adquire tons mais profundos. Alguns cantores mais, outros menos. Isso nunca foi uma preocupação para mim. Pois o mais importante, a meu ver, é a "assinatura vocal" que você imprime ao longo dos anos. Ou seja: basta uma ou duas notas para que todos saibam quem está cantando. E isto independe de técnica.

No entanto, quando me proponho um desafio como interpretar os álbuns do Viper de 25 anos atrás, assim como o Angels Cry, de 20, tenho de ter consciência de que algum trabalho de treinamento intensivo terá de ser feito para alcançar os resultados satisfatórios. O curioso é que, se no início da tour havia algum tipo de apreensão no ar, com o repetir dos shows, a voz vai se acomodando naturalmente, e acontece o mesmo que ocorre com certos atletas: a reativação da chamada "memória muscular".

O aparelho fonador, então, (que é o conjunto responsável pela fala e pelo canto) parece comecar a "lembrar" o caminho, e de repente, encontra a posição correta. Você canta sem esforço: as notas estão sempre lá. 

Bruna: Além de ser músico, você também é pai. São dois universos muito paralelos, ou é possível conciliar ambos com sucesso?

Andre: Deve ser um pouco difícil para qualquer músico, acredito, em função dos longos períodos de ausência (principalmente quando se trabalha em horários alternados, dividindo o tempo entre duas cidades, Estados ou Países). Mas é possível administrar. De qualquer forma, pretendo estar cada vez mais junto à família. 

Bruna: Todo artista tem uma mensagem que pretende passar através da sua música, e essa mensagem pode ser inspirada das mais diversas formas. Qual é a sua mensagem e a sua principal inspiração?

Andre: São várias. Muitas vezes parecem inclusive possuir algum tipo de caráter religioso, místico. Eu diria que têm um caráter bem mais filosófico. Não sigo qualquer religião específica, mas sou curioso por natureza. Seja a respeito de teologia, filosofia, antropologia, história, matemática, física... Seja a respeito de psicologia, biologia, natureza, política, tecnologia. E ainda não encontrei respostas que satisfaçam plenamente; às vezes uma indicação aqui, outra ali, como um quebra-cabeças.

Minhas letras são um amálgama de todos os assuntos acima, na medida em que interagem com o universo pessoal ou com o daqueles que estão ao redor. Nem sempre escrevo em primeira pessoa. Nem sempre sou o sujeito. Mas se, de alguma forma, as pessoas se identificarem com algo, está feita a ponte: abre-se aí um caminho para quem quiser se aventurar por ele. 

Bruna: ...Afinal, se tirarmos a fama, os discos e os shows, Andre Matos é um ser humano como todos, com sonhos realizados e sonhos por realizar. Esse (outro) desafio [ser um ídolo para diferentes gerações] ainda assusta?

Andre: Ainda não parei para refletir a fundo sobre isso. De fato, somos todos seres humanos, cada qual com suas especialidades e talentos - e nenhum deles é superior aos demais. Engana-se quem pensa assim. Já realizei muito do que pretendia desde quando tive aquele "delírio" aos 13 anos, assistindo ao Iron Maiden no Rock in Rio em 85.

Talvez tenha realizado até mais do que poderia. Sempre imaginei que, aos 40 anos de idade, minha carreira estaria praticamente terminada, como a carreira de um atleta, que é intensa, porém curta. O tempo e as pessoas me provaram o contrário. De fato, música não tem idade. Me lembro quando era estudante de piano e uma professora me disse: "nunca leve a sério um pianista que não tenha nenhum fio de cabelo branco"... (isso foi antes dos chineses prodígio de 11 anos de idade). Já coleciono alguns fios e, se isso servir também aqui, é um bom sinal.

Basta continuar sendo quem você é e seguindo fiel aos seus princípios e você ainda terá algo a contribuir. Talvez até algo melhor, que ainda esteja por vir. 

Bruna: Há não muito tempo você se apresentou com a Banda Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo, comemorando o vigésimo ano da ópera rock Tommy do The Who. Qual é o seu grau atual de envolvimento com a música clássica? 

Andre: Sempre foi enorme. Desde a minha primeira formação musical, quando iniciei no piano. Depois cursei faculdade de Regência e Composição e, ao longo da carreira, tive diversas oportunidades de unir meus dois estilos favoritos.

Porém, não optei em ser um profissional da música erudita. Isto quase aconteceu, mas a decisão final pendeu para o rock. Pois aqui eu sabia que poderia usar a música clássica como aliada, como uma influência. Já do lado de lá, as cabeças eram um pouco mais fechadas. Talvez hoje em dia não sejam mais, e assim espero. Pois música é música e deve ser respeitada (quando feita com seriedade; não me refiro a certos estilos e ritmos descartáveis, obviamente).

Pretendo continuar me envolvendo mais e mais neste tipo de projeto. De certa forma, creio que se forma um "elo" entre as partes: os músicos clássicos se impressionam ao sentir o vigor do rock e os roqueiros descobrem um universo musical inesgotável, que estava bem mais próximo do que eles pensavam, pois tudo nasceu ali. São estilos complementares - mas há de se ter bom gosto e noção estética ao juntar ambos, para que não se crie uma espécie de "colagem" mal-feita. 

Bruna: Por fim, eu acredito que o seu exemplo sirva tanto para quem vai ou não seguir carreira na música. Se você pudesse dar um conselho para quem está aí “na pista”, qual seria?

Andre: Se não forem seguir na música, tenham na cabeça que vocês são, de alguma forma, músicos. O ouvinte é um participante ativo também, pois é através da interpretação pessoal daquilo que está escutando que se alcança o resultado final e a mensagem é enfim transmitida.

Caso sigam na música, procurem se aprofundar, pratiquem obsessivamente e descubram seus próprios caminhos. Depois disso, procurem esquecer tudo o que aprenderam e usem a técnica apenas como um meio, não um fim. Leiam, assistam filmes, viagem, conversem, interessem-se pelos noticiários. Afastem-se por algumas horas do ambiente musical sempre que for possível. Senão não haverá inspiração, haverá apenas repetição.

E retornem, enfim, para colocar em notas musicais suas experiências de vida. Isso vale para compositores, mas também vale muito para instrumentistas e vocalistas. E, por fim, cuidado com as armadilhas. Se vocês pensam em fazer música apenas pela conquista de fama, poder e riqueza, é melhor nem mesmo começar.

De resto, boa sorte!


A gente encerra aqui mais uma entrevista, e eu espero que vocês tenham gostado tanto desse papo quanto eu. O Andre continua a turnê de 20 anos do Angels Cry se apresentando em São Paulo no Carioca Club no próximo dia 15, e a gente, é claro, deseja um excelente show. Andre, deixe uma mensagem para os leitores do nosso blog, garanto que eles vão adorar.

Fica o convite para o encerramento da turnê em São Paulo. Nós estamos muito ansiosos - e já no preparo deste último show de 3 horas de duração. Espero vocês lá para comemorarmos juntos!

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